Iberê Périssé/Projeto Solos

Beco do Batman respira luto e saudade: o adeus a NegoVila

1 de dezembro de 2020

Artistas cobrem grafites de ponto turístico e cultural com tinta preta em repúdio à morte de NegoVila Madalena, assassinado por um PM na zona oeste de São Paulo; "Exemplo de humildade e proceder", diz amigo


O Beco do Batman, local turístico e cultural na zona oeste de São Paulo, conhecido pelos seus grafites, acordou completamente pintado de preto e com frases de repúdio ao assassinato do muralista, artista plástico, skatista e rapper Wellington Copido Benfati, o NegoVila Madalena. Ele tinha 40 anos e foi enterrado no domingo sob forte comoção e aplausos de amigos e familiares.

Foto: Iberê Périssé/Projeto Solos

A reportagem do SOLOS acompanhou o processo de pintura dos muros durante a madrugada desta segunda-feira. “O beco tá em luto, as ruas de São Paulo, o skate, o samba, a maloqueiragem. A única forma de a nossa voz poder andar longe. Acabou essa história de self service de fotos. Quando chegarem aqui vão ver que o beco está de luto. Um grande artista, um irmão que se vai por causa da violência gratuita do ser humano. Vamos ter consciência, respeitar o próximo”, diz o artista Anderson Ricardo, o Natural.

Foto: Iberê Périssé/Projeto Solos

A ideia do protesto partiu de artistas do beco, localizado na Vila Madalena, bairro onde NegoVila nasceu, cresceu e se desenvolveu como artista. Ele deixa uma filha de 9 anos.

“A gente tem que fazer alguma coisa. Todo dia algum negro é brutalmente destruído, brutalmente assassinado, pulverizado de forma desumana. Esse lugar é o local que o NegoVila, filho pródigo da Vila Madalena, ajudou a levantar”, afirma Ndra.

A morte aconteceu na madrugada de sábado, em frente a uma distribuidora de bebidas em Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo. Um PM é o suspeito de matar NegoVila.

Foto: Iberê Périssé/Projeto Solos

“Pior tipo de covarde. Atirou em uma pessoa desarmada e indefesa. Mataram o filho da Vila Madalena. Nada mais justo do que responder a essa violência com arte”, explica Prozak.

“Como é que dá uma arma para um cara desse? O cara não sabe nem o que é justiça. O cara só serve para ser capitão do mato. Nós perdemos um cara pobre de dinheiro, mas muito rico de cultura, de identidade, de proceder, uma referência de caráter”, revolta-se Pato.

Foto: Iberê Périssé/Projeto Solos

“É uma analogia porque isso aqui é como uma praia de paulista, muito visitado. Então hoje isso tudo ficou preto como uma referência de que o sol foi embora. Um assassinato cometido por um policial totalmente despreparado. Mais um artista, mais um cidadão negro teve sua vida tirada por um covarde com uma arma na mão. E por mais incrível que pareça as pessoas estão querendo mais armas, a gente quer mais arte”, declara Boleta.

Nas redes sociais, homenagens ao NegoVila o descreviam como um cara carinhoso, alto astral e generoso.

A Ong Social Skate homenageou NegoVila, que era praticante do esporte. “Quando um skatista se vai, um pouco de todos skatistas vai junto, mas quando é um que conviveu anos junto com a galera que se encontrava no Centro, um Mano pra mim o Zelador e Guia da Vila Madalena junto do seu irmão Ndrua Ninguem Dormi cuidou de vários naquele território, mostrando os códigos das ruas como chegar e como sair. Obrigado por cuidar de nós e que faça uma boa passagem nosso irmão Nego Vila Madalena”

Foto: Iberê Périssé/Projeto Solos

A ex-namorada, a psicóloga Ágatha Yazbek, também prestou sua homenagem nas redes sociais, como divulgou o site Geledés: “Arrancaram uma pessoa que ia estar sempre na nossa vida. Uma pessoa que queria muito bem a gente —e era recíproco. O Wellington era amoroso. Gostava de fazer todos os passeios culturais da cidade com a nossa filha, Sara. Era um pai extremamente carinhoso. O Wellington era uma pessoa que gostava de viver. Sempre deixava o ambiente animado onde chegava”, diz um trecho do texto.

O caso está sendo investigado pelo 14º DP (Pinheiros).